31 julho 2009

Altar vazio


Digam o que disserem um altar vazio dá sempre jeito. Desde os monoteísmos cristão, judaico e islâmico, passando pelo bramanismo, hinduismo, zoroatrismo, (neo-)paganismos vários até ao budismo, confucionismo, taoísmo e jainismo. Dá sempre jeito, não ofende ninguém, não fomenta guerras a montante nem a juzante, para além de ser uma concepção clean, subversiva e nitidamente desviante. A mim agrada-me. Não que não tenha um panteão de hipóteses interessante para fazer passar no teatrinho de um altar sem marionetes. Mas o vazio, o nada, a sua imensidão e infinitude são bem mais inspiradores dado o seu magnetismo natural e a portentosa capacidade de libertação que pode oferecer.

Um altar vazio é um altar de coisa nenhuma (mesmo tratando-se de um altar-mor). Não há culto, não há sacerdote, não há divindade. E precisamente por estar despojado de conteúdos preconcebidos, se investe de renovador interesse. Um altar vazio deixa espaço ao homem para respirar fundo livremente em dimensões menos tangíveis. Pode, ele mesmo se quiser, tomar as vestes do deus velho, barbudo e carrancudo sentado no trono sempre com o dedo preparado para apontar e julgar, pode tomar uma parte de um animal à escolha e juntá-la ao seu corpo e assumir características completamente novas de poder, ou pode tornar-se nada, menos que nada, e fluir livre pelo universo apenas em consciência e mente puras dentro de uma bola de sabão ectoplasmática. Pode ser Messias de si mesmo, ou o mais negro dos avatares. Pode, em boa verdade, não usar o dito altar para nada. Ou como decoração, ideal a dominar o centro de uma sala mais minimalista new-ager.

Um altar vazio representa a verdadeira essência da Epigénese, é o símbolo do conceito de livre arbítrio por excelência com que aparentemente fomos presenteados pelo Grande Arquitecto do Universo. Mergulhar no nada é ousar despojar corpo e mente de amparos, muletas, por vezes até correntes que impedem a imersão no todo, no absoluto, no cósmico e no infinito, no eterno de onde tudo vem e para onde tudo vai… o Vazio.

30 julho 2009

A "Cegonha"


Pôr-do-Sol perfeito, as cigarras raspam as asas, ensurdecedoras, como que tomadas do demo, um concerto de noise em plena natureza, ali, live para nós, a terra emana o seu calor de fim de tarde de Verão, regam-se as árvores de fruto com botas cheias de lama e de Alma lavada e renovada. A água do poço convida a um mergulho. Uma rã salta de uma pedra num mergulho perfeito que faria inveja aos atletas olímpicos. Passa uma cotovia em voo rasante, curiosa. Roi-se uma pêra, olha-se o horizonte. Guarda-se o momento para a posteridade, uma snapshot mental. Sorve-se a eternidade por uma palhinha, a degustar o tempo parado. Uma pequena concessão de Chronos. A areia da ampulheta demora-se e concede-nos um momento mais …

Costura




Costurar algo com requintes de malvadez nem sempre é fácil. É preciso dar muitas voltas à linha, ter tento na língua para a maldição não sair às avessas, e ter cuidado para que nenhum fio de cabelo fique preso à peça. São coisas que levam o seu tempo e que não são para todos os dias. Para além de ter de se aguardar pela Lua certa, é necessário que a Alma esteja no mood adequado, sintonizada na frequência que lhe permita furar protecções, escudos e defesas. É algo que se deve fazer ao sabor do ritmo do universo. Nem sempre as correntes estão a favor. Afinal é uma forma de arte.