24 março 2010

Foto Grafia ou Desenhar com Luz


Do grego, fós (φως) grafé (γραφη), que significa desenhar com luz.

Desde a invenção da câmara obscura ao advento da tecnologia digital, a viagem através da imagem capturada tem sido incomensuravelmente longa e labiríntica. Técnicas, formatos, ramos, disciplinas, movimentos e história em geral. Mundos a desbravar. Mas tudo isso faz parte do domínio do estudo e aperfeiçoamento. As minhas questões são outras.

Afigurasse-me interessante, por exemplo, pensar que capturar imagens é roubar pedaços de realidade presente. Apoderamo-nos deles e passam a ser nossos, congelados, eternos e imperecíveis, perfeitos. Permanecem imortais, perpétuos, imunes à passagem do tempo. Mesmo uma velha fotografia com 40 anos, amarelecida, comida do peixe-prata, mortiça e ténue, aprisiona um determinado momento que ficou para sempre encarcerado entre o papel de suporte e os químicos da revelação. Algures no momento real, há uma fracção de segundo que é furtada, como se se retirasse uma pequena peça de um puzzle temporal e existencial. No caso de uma natureza morta pouca diferença fará. Mas os índios têm uma ideia diferente acerca das imagens capturadas de pessoas. Acreditam que lhes roubam um pedaço da Alma.

Saquear pedaços de existência, de vidas, de emoções, de actos e acontecimentos é como ter um cronómetro que pára o tempo. De certa forma, é brincar a ser-se Deus. E a brincadeira pode ir bem mais longe, quando se constroem mundos apenas e só com o propósito de os capturar. Nano-segundos de fragmentos do presente, que o são para sempre, presente. Todos conhecemos o poder que determinadas imagens têm de nos transportar de imediato ao momento x ou y. Materializa-se ali, presente amaldiçoadamente eterno.

Tudo somado desde o início da história fotográfica, são eóns de fracções existênciais gatunadas à má fila por todos quantos “desenham com luz”. Colecções colossais de pedaços de emoções e acções, porções de almas, peças de vidas, espólios gigantescos de instantes usurpados ao fio do Tempo.

Sim, desenhar com luz é um conceito muito belo.
Mas tem as suas questões.