20 agosto 2009

Plasma Solar


Invoca o Sol e o Fogo, porque é tempo de acordares do longo sono que te prende. Morpheu é um Deus atencioso e doce, mas tem muita dificuldade em libertar uma Alma que se lhe venha enroscar nos braços. A escravidão do sono não é amarga, mas o universo é dinâmico e não premeia a preguiça. Dormir, sim, mas apenas em doses homeopáticas para recobrar forças.

Invoca, pois, o Sol, a chama eterna do devir, invoca-o a plenos pulmões da Alma e aguarda a resposta do Cosmos, como se vivesses o momento único do choro primevo.

Invoca esse alfa ardente e fatífero cuja orbe nos consome, em mistério e calor, que nos alimenta, que nos castiga, que nos educa, que nos afaga e nos magoa como um pai cósmico colossal.

Invoca a esfera de hélio, que arderá per seculum seculorum, testemunha descomunal de tudo o que é na pequena bola azul, língua de fogo celestial que banha com saliva quente e vital a existência de cada grão de areia animado.

Invoca essa estrela magna de Alma aberta e mente vácua, e cegarás de luz e eternidade planetária numa fracção de nano segundo, na pira abrasante que tudo depura.

Invoca o astro irrevogável, fatal e infalível no seu poder mortífero, magnífico lar dos gases mais letais, fonte portentosa de vida dos recantos limítrofes do seu pequeno feudo astral.

Invoca a luminária atroz e esplêndida que projecta as suas entranhas em luz e fogo, que vomita as suas vísceras ardentes para fecundar a escuridão, para espantar as sombras cósmicas e abismar os miasmáticos negrumes e as larvas astrais em manifestações de poder total.

Invoca o campanário coruscante, flama maior, ardor puro, abrasador flamívero, corpo incandescente máximo, e Ele te abraçará e consumirá, em fúria chamejante e eónica.

E, no final, se te restar um fragmento de coragem, invoca uma tempestade solar e projecta-te no seu âmago. Entrega-te à obliteração purificante pelo fogo com vulcânica paixão. Extingue-te pela suprema e empírea volúpia na mais resplandecente e cintilante das pequenas mortes.
Desperta!!!

09 agosto 2009

A mais bela das Geishas

Noe Tawara, Jiutamai Dance

A mais bela das geishas dançou para os comuns mortais na passada Sexta-feira em Lisboa. Deixou a indefectível plateia sem ar, sem Alma, sem tempo nem espaço. Enquanto dançou preencheu-nos consigo mesma, com a sua história terrivelmente mórbida e triste, com a sua graciosidade celestial, com a estética levada ao extremo. Deixou-nos ávidos por mais. Passaríamos ali a noite inteira ao vento e ao frio, a vê-la rodopiar, dançar, mover-se. Cada movimento, cada deslocação, cada gesto seu aperfeiçoado ao limite, tão carregados de expressividade que bastou o acompanhamento do shamisen para percebermos todo o argumento. De simplicidade e humildade cativantes, corroeu-nos o espírito, envenenou-nos a Alma como um espectro vindo de uma dimensão paralela, como uma feiticeira real e bela. Mais que bela. Divina! Nem estar por trás da lente me salvou. Entreguei-me ao momento e morri com ela, a vê-la dançar.

06 agosto 2009

A Sombra


Um pequeno fio condutor escorre da imagética dourada. O mais importante torna-se acessório, porque até os cães conseguem uivar como lobos quando realmente entram em contacto com a sua costela mais selvática. Por mais que se tente andar pelos caminhos da consumição eterna, o pequeno fio dourado salva sempre o dia. Não porque seja a sua missão. Talvez apenas porque calha, cosmicamente falando. O dia nasce e morre. E com ele, a noite. As vidas ínfimas, míseros frutos de um milagre maior, deixam-se conduzir por estes nano segundos da grande eternidade, sem saberem da sua desprezível insignificância.
Mas um desafio é sempre um desafio, ainda para mais se for posto na mesa pela própria Divindade. Não se lhe consegue resistir. Por isso, muitas vezes os cães uivam como lobos e os lobos abanam a cauda como cães. As falhas, essas não têm lugar. Rasgam-se as carnes, esfarrapam-se ventos, miram-se luas. As entranhas estão sempre à flor da pele, ainda que pareçam adormecidas ou cadavéricas. Há sempre uma noite em que o brilho das estrelas impressiona a mais bruta das criaturas. Não se viram as costas aos mistérios. Nem mesmo “Aquele-que-tudo-nega” consegue ficar indiferente a um pôr-do-sol no topo do Kilimajaro.
Ainda assim, o fio condutor escorre, pinga, escapa-se. Torna-se naquilo que deve ser, uma bomba relógio à espera de explodir numa imensa nuvem bio-piroclástica que dá origem a novos mundos, cumpre a sua natureza, faz avançar ondas de vida de seres diversos, dá balanço ao universo e corda ao cosmos.
Isso: Dá corda ao cosmos!
E ao faze-lo, projecta-nos à bruta para o trampolim da existência. Como quem pega num crânio e recita Shakespeare do fundo da Alma e de um só fôlego como se do choro primeiro se tratasse. Depois… bom, depois vem a sombra, abarca tudo e entra-se na grande noite cósmica (outra vez!).
[Eram cinco da tarde no relógio de Deus, e certezas ... nada!]