06 agosto 2009

A Sombra


Um pequeno fio condutor escorre da imagética dourada. O mais importante torna-se acessório, porque até os cães conseguem uivar como lobos quando realmente entram em contacto com a sua costela mais selvática. Por mais que se tente andar pelos caminhos da consumição eterna, o pequeno fio dourado salva sempre o dia. Não porque seja a sua missão. Talvez apenas porque calha, cosmicamente falando. O dia nasce e morre. E com ele, a noite. As vidas ínfimas, míseros frutos de um milagre maior, deixam-se conduzir por estes nano segundos da grande eternidade, sem saberem da sua desprezível insignificância.
Mas um desafio é sempre um desafio, ainda para mais se for posto na mesa pela própria Divindade. Não se lhe consegue resistir. Por isso, muitas vezes os cães uivam como lobos e os lobos abanam a cauda como cães. As falhas, essas não têm lugar. Rasgam-se as carnes, esfarrapam-se ventos, miram-se luas. As entranhas estão sempre à flor da pele, ainda que pareçam adormecidas ou cadavéricas. Há sempre uma noite em que o brilho das estrelas impressiona a mais bruta das criaturas. Não se viram as costas aos mistérios. Nem mesmo “Aquele-que-tudo-nega” consegue ficar indiferente a um pôr-do-sol no topo do Kilimajaro.
Ainda assim, o fio condutor escorre, pinga, escapa-se. Torna-se naquilo que deve ser, uma bomba relógio à espera de explodir numa imensa nuvem bio-piroclástica que dá origem a novos mundos, cumpre a sua natureza, faz avançar ondas de vida de seres diversos, dá balanço ao universo e corda ao cosmos.
Isso: Dá corda ao cosmos!
E ao faze-lo, projecta-nos à bruta para o trampolim da existência. Como quem pega num crânio e recita Shakespeare do fundo da Alma e de um só fôlego como se do choro primeiro se tratasse. Depois… bom, depois vem a sombra, abarca tudo e entra-se na grande noite cósmica (outra vez!).
[Eram cinco da tarde no relógio de Deus, e certezas ... nada!]