01 outubro 2009

O Escondido


Espreitou. Ajeitou o corpo. E ficou a observar. Gostava de o fazer desde que se conhecia como ser vivo. Horas e horas imóvel, estático, a respiração reduzida ao mínimo, os músculos em pedra, a mente focada em tudo o que se passava. Colhia dados, bebia experiência, capturava momentos. Descobriu o seu esconderijo por acaso. Perseguia, a brincar, um ser menor e imaginário e deu com aquele sítio perfeito. Era irrepreensível. Fora feito à sua medida, não tinha dúvidas. O mundo passava à frente dos seus olhos, alheio à sua indetectável presença. Nunca o daria a conhecer. Seria sempre o seu santuário precioso. Era como uma lente que ampliava, pela simples observação, qualquer movimento fortuito, qualquer brisa de acção, o mais leve e ténue acontecimento. Presenciava horrores e maravilhas, tormentos e prodígios, assombros e enlevos. O deslumbramento e o vício, vorazes, eram cada vez mais fortes. Nunca sucumbiria nem abdicaria dele. Era o seu cantinho inestimável e magnífico. Tinha um, e um apenas, desconforto menor: de vez em quando a velhota lembrava-se de regar o jardim ...